- Oh Chefe! Desculpe lá.
- ??
- Isso dá mesmo 200?
- Bem… até dá. Mas o que tem mais é força. Até porque pesa muito.
- Quanto?
- Uns 250 kg.
- Bem, mas é um ganda motão! Já viste meu?!
- Pois é… se eu tivesse uma dessas todas elas se sentavam!
- Podes crer! Ena pá… o meu sonho era ter um motão assim. Obrigadinho oh Chefe, boa viagem.
- Nada, até logo.
Sentei-me na minha pesudo-burguesia-envergonhada e arranquei consternado perante o quadro: o sonhador estava de muletas e mal se aguentava de pé, o conquistador não se aguentava definitivamente de pé porque já estava sentado no chão. Ambos rasgados e muito sujos, completamente desdentados pelo vício, o olhar vazio pela dose matinal já tomada, mas com um brilhozinho lá no fundo a admirar o meu sonho, que afinal também era o deles…
Tive vontade de desmontar, dar-lhes a chave e vir embora a pé. Mas isso não é a realidade e não havia como fazê-lo. Apenas a consciência de outras vidas me remoeu o pensamento. Egoistamente despejo o meu incómodo para aqui e sigo a viagem de mais um dia esquecendo vivências que afinal não esqueço. Uma neblina de pena abate-se na minha manhã… não gosto de o sentir mas senti.
Sonhador: não te conheço, mas vejo-te todos os dias. Se conseguires dobrar a perna levo-te a dar uma volta no nosso sonho.
Romanov nasceu na Roménia e era o nono de nove irmãos, não se sabe bem de onde lhe veio o nome mas era Vampiro de formação. Vivia em Portugal há cinco anos, onde nunca exercera, e trabalhava nas obras. Sempre ganhava mais cá a ser explorado no mundo do betão armado, em parvo, que na Roménia a explorar pescoços cinzentos.
Soube por um colega trolha, também Romeno mas não Vampiro (parece que na Roménia tinha sido ministro das Obras Públicas), que ia haver o lançamento de uma colectânea de contos de Vampiros na Cantina Lx pelo entardecer da noite de quinta-feira passada. As saudades impeliram-no na direcção da curiosidade. Assim foi (e foi mesmo que eu vi-o lá).
Mal chegado, brindaram-no com uma magnífico cocktail de beterraba picante (que já não bebia desde os seus tempos de Vampiro caloiro na faculdade). Comprou logo um exemplar da colectânea que começou a devorar enquanto esperava. Começada a cerimónia, várias almas penadas se aprontaram a sentar. Uns atrás da mesa, outros à frente. Romanov depressa percebeu que os que se sentaram do lado de trás eram os autores, pálidos de tanto se terem esvaiado em sangue literário. Iniciada a contenda, o mestre de cerimónias (também branco mas por doença e que lhe fazia lembrar o seu antigo professor de Mordidelas de Escrita Sangrenta II) esgrimia apresentações e perguntas enquanto os autores se deliciavam com dentadas de argumentação em pescoços de leitores e fãs.
Quando finalmente se acendeu o final, teve ainda tempo de pedir autógrafos e trocar impressões de Vampiro experimentado. Orgulhosamente chegou à conclusão que a sua experiência vampírica e empírica, lhe davam o destaque silencioso de quem já provara verdadeiramente o sangue. No entanto, o alho da crítica literária aguçava a sua curiosidade e correu (voou?) para casa onde só parou de ler na manhã do dia seguinte, ou seja ontem.
Arrasado mas satisfeito, arrastou-se cheio de sono para o seu destino de cimento, já com um atraso de uma hora. À chegada foi brindado com um sonoro, mal cheiroso e estridente (até porque só se viam três dentes):
- Olha lá oh Romeno! Não te pago para chegares a esta hora!
Foi o último som que saiu daquela garganta. Mesmo sem licença para exercer em Portugal não resistiu à dentadinha da saudade.
P.S. – Parabéns para a Susana, que de entre todos deu a dentada mais apetecida... a de estreia!
Depois de um Porto, Santo pelo sentimento que deu à costa e de mais uns dias com água no horizonte circundante o regresso fez-se num novo estado, civil por definição.
As baterias carregam-se, a vontade confirma-se (sem assinaturas, viva o simplex!), a escrita aguça-se, os segredos contam-se. O tempo encurta a distância e bilhetar por aqui é difícil de concretizar. Fica a passagem para matar a saudade.
Trabalho, hoje, foi engano. Sigam as férias!
Felizmente, é o que faz este “abençoado” que dá pelo nome de Luís Franco Bastos e que usa este dom de uma maneira arrepiante. Independentemente dos textos lidos o timbre das imitações é tão igual nalguns casos que parece que as pessoas estão ali na nossa frente a sair pela garganta dele.
Absolutamente a não perder. Aqui fica um gostinho do que se pode rir, sendo que ao vivo arrepia mais.