Era um quarto que se devorava em três passos. Cinzento de vontade e bafiento de desanimo. Estava frio e o chão rangia a castanho esquecido. O atraso na renda desse mês estava mais perto que a maneira de a conseguir pagar.
Sentou-se na cama de molas tristes, que lhe arranhavam a dignidade, e pensou na saudade. Sobretudo, na saudade que tinha de não ter saudade, pois essa era sempre a primeira carta que caía no seu castelo de sonho instável.
Olhou para a meia rota de desleixo e chorou. Chorou pela vontade.
Sentiu toda a solidão do mundo no seu quarto e olhou a paisagem da sua janela. Era de dia e estava sol, mas os seus olhos só viam escuridão. As paredes aproximavam-se no adensar do desalento e percebeu que tinha que sair. Algumas roupas gastas mais tarde, cheirava a cidade no seu interior e caminhava na razão do pensamento.
Calcorreou colinas de infância e aproximou o Tejo ao olhar. A cidade corria ao ritmo das castanhas e o frio encolhia vaidades. Observou todos e cada um, e pensou com inveja onde iriam com tanta certeza, com tanta vontade de lá chegar.
No canto mais frio do Paço, um monte de cartão escondia um corpo. Dormia de sujidade, frio e esquecimento. Aproximou-se e tocou no que parecia ser um ombro debaixo de roupa velha. Reagindo ao toque, o corpo virou-se e fixou o seu horror de espanto: era a sua cara que ali estava, debaixo de muito cabelo e barba!
(continua)
* Estado de vazio. Oco.