Escritas do fundo do mar

30
Jun 09
Quando a doçura do meu sono foi violentada pela chegada que se impunha, com o inegável e incontornável facto de que já eram horas de levantar, as salgadas notícias do rádio cheiravam a morte.

Os cinco destaques do sumário noticioso incluíam: a primeira morte de uma jovem em Espanha contaminada pelo vírus da gripe A (H1N1) – e vai um, a queda de um avião da companhia aérea Yemenia – mais 150 mortos, a explosão de dois vagões com GPL num comboio de mercadorias em Viareggio (Itália) – e vão mais 15, uma notícia qualquer sobre o benfica – e vão mais uns quantos e por fim a retirada das tropas americanas do Iraque.

Isto dá a tenebrosa quantia de 3 (ou 4) em 5 notícias, ou seja, qualquer coisa entre 150 a 200 mortos, o que para um acordar tem muito que se lhe diga. Sou eu que tenho andado desatento ou anda a morrer-se muito?!




29
Jun 09
A soberania dos membros do Clube manifestou-se em mais uma votação intensa, ligeiramente abaixo dos 333 votos, e que definiu com 81% das vontades o próximo livro para leitura. Melhor que qualquer eleição europeia, não só não há abstenções, como o número de votos ultrapassa o número de (e)leitores e ninguém votou duas vezes em freguesias diferentes. Mais difícil ainda: tudo sem falcatrua.

Assim sendo, 333 de Pedro Sena-Lino, ocupará as nossas mentes sequiosas de novas histórias durante as próximas semanas. Esta, ou melhor estas, farão as delícias do mais incauto leitor.



Um livro que perturba... e que liga rios

Pedro Sena-Lino explica que 333 "liga todos os grandes rios" dos 32 anos que conta de vida (a poesia, a escrita criativa, a investigação e a prosa). O resultado é uma obra de características especiais, baseado na história de um livro e de todos os seus 333 exemplares impressos.

É a história secreta do impacto de um livro na vida de cada um dos seus leitores, e de como um pedaço de papel pode transformar uma vida. São essas transformações, trezentas e trinta e três, que, efectivamente, vão perturbar o leitor deste 333.

Sem querer ofender os primeiros, e muito menos os segundos, esta intitulação respeita as cores com que se pintou um dia diferente. Um dia de partilhas, vivências, convivências e muita alegria.

O Sábado Selvagem encheu de emoção o coração mais pequeno (e se calhar ainda mais os maiores) e mostrou que o Zoo de Lisboa está bem e recomenda-se. Um programa muito divertido e apelativo que acrescenta à visita normal um acompanhamento técnico permanente e a possibilidade de ver bastidores não acessíveis com a entrada normal. À simpatia dos animais junta-se a dos tratadores, treinadores e demais gente do Zoo que acolhem de braços (e asas e patas e tudo isso) abertos os participantes deste programa. A não perder, com ou sem crianças.


Depois das 7 maravilhosas (e cansativas) horas de Jardim Zoológico a noite foi de Arraial ali para os lados da Torre de Belém. Não podia faltar a bela da entremeada e uma sopinha para acamar, uns copos e algumas companhias, concertos e outras chefias e até uma chuva parva que por lá passou. Nada que molhasse demais a festa, que se quis em tons de arco-íris para quem queria e também noutros tons porque somos todos bons. Divertido e com muito para ver, ouvir e dançar.

Bilhetado por Brunorix às 14:55

26
Jun 09
Deserto de prazer

Já não havia nada a fazer. Chorava lágrimas secas de arrependimento por não ter escrito um conto mais cedo, mas a verdade é que não tinha dado de beber à sua criatividade erótica. Agora, a travessia era longa e o deserto da lassidão tinha que ser ultrapassado.

O andar tornava-se cada vez mais penoso. A pele parecia casca de carvalho e os últimos laivos de frescura abandonavam o seu corpo na procura da sombra que não havia. A boca estava seca do ambiente e os lábios estalavam de desespero. Tentava escrever mas não conseguia. O calor era demasiado.

A pouca roupa que lhe restava, rasgava-se da secura do momento deixando queimar de dor as partes que se iam desnudando. Sabia que não podia parar. Não parou. Seguia imaginando histórias dignas de registo, mas as ideias começavam a confundir-se e os joelhos trocavam insistentemente de posição. Os pés atropelavam-se e o equilíbrio desistiu.

Quando abriu os olhos tudo estava na mesma, mas muito pior. Arrastou-se penosamente e dirigiu-se para o que parecia ser uma piscina. Sem se perguntar o porquê, deixou-se cair na água fresca, enquanto a sua (pouca) roupa, de tão seca que estava, se desfazia na água do contentamento. Sorriu da sua nudez refrescante e nadou na liberdade encontrada.

O contentamento era tão distraidamente infantil, que nem deu por um corpo que se aproximava debaixo de água. Quando sentiu umas mãos fortes nas suas pernas, já menos queimadas, assustou-se por breves momentos. O corpo musculado que vinha atrás das mãos, merecia-lhe a luxúria de não querer perceber, mas apenas de sentir. A mistura entre realidade e ficção tornava o jogo mais excitante. As mãos subiam pelo seu corpo e já agarravam os seus seios com uma firmeza decidida, enquanto o abraço vindo detrás garantia que não havia fuga. Mas quem queria fugir?!




Voltou-se, enquanto aquele ser excitantemente apelativo procurava os seus lábios de prazer. A medo abriu a boca e deixou entrar uma língua ávida de procura. Dentro e fora de água tudo era igual. Respirar não era problema. Deixou que corpo se juntasse ao seu, numa proximidade cúmplice e volumosa. Pensou retribuir um pouco do que estava a sentir e decidiu tomar a iniciativa de lamber aquele sexo duro de vontade. Continuava a não querer perceber o que se passava e depressa abriu o seu interior para a penetração mais refrescante da sua vida. O ritmo era compassado e vigoroso criando ondas lascivas como nunca sentira. Sentiu o prazer dele dentro de si e o seu orgasmo estava eminente. Alguns ritmos molhados depois, atingia a plenitude das suas vibrações e rebentou debaixo de água num grito de loucura fresca.

As pulsações retomavam a cadência normal e os corpos separavam-se lentamente. Assim como se veio, foi-se. Nem uma palavra. Desapareceu o corpo, desapareceu a piscina, desapareceu a água, desapareceu o deserto, desapareceu o calor.

Quando acordou na praia, o sol já se tinha posto e uma brisa refrescante corria ligeira. Já não se via ninguém e apenas algumas gaivotas brincavam na areia. Aberto na sua mão, o caderno de contos marcava mais uma história. Começou a ler: Deserto de prazer

Bilhetado por Brunorix às 14:41

O rei da pop(lástico) dançou pela última vez. Não aguentou mais o seu coração que só tinha uma cor: o preto e branco.


Michael Jackson
(1958-2009)

Bilhetado por Brunorix às 10:20

24
Jun 09
Uma memória, sorridente, descia despreocupada a rua da consternação em direcção ao largo do destino, sem olhar paredes. Tinha o olhar fixo no fim da rua e era para lá que se dirigia. A certeza de quem era e de onde vinha, notava-se nas suas passadas convictas e na força dos seus pensamentos.

Lá em baixo, no largo, as suas irmãs esperavam ansiosas e com o peito a queimar saudade. A colecção de vida estava incompleta com a falta desta memória e o andar para a frente estava suspenso pelo abraço da sua chegada.

Vagabundeara muito por outras ruas, como a da amargura e a da saudade, mas sentia que tinha chegado a altura de conquistar o seu lugar na razão do sentido único. O depois pedia-lhe que assim fosse e o agora puxava-a para longe do que já não era. Deixara para trás roupas mal dormidas e muitas noites de frio e solidão. Sentia correr nas veias a temperatura da certeza.

Quando chegou ao fim da rua e as uniões se deram, sentiu um ligeiro arrepio de passado. Fechou os olhos e deixou que fosse levado pela brisa morna que por ali passava. Sorriu de presente e abriu os olhos para o futuro. O caminho iluminava-se à sua frente, deixando ver apenas a felicidade. A combinação de sentimentos que influíam de um modo inelutável na direcção do destino, brilhavam no chão da passagem.

Novamente parte do todo, seguiu. Nunca mais olhou para trás e quando precisava de o fazer, limitava-se a caminhar de costas mas mantendo sempre a direcção.




Viver, é coleccionar memórias em sonhos acordados.

Bilhetado por Brunorix às 13:15

23
Jun 09
Zero certo. Nunca antes pensado mas certo. Assim se fazia grande o que era pequeno em terras de diminuta certeza. Na verdade, as proeminências do desejo batiam asas de convicção causando ventos de mudança. Sem esperança.

Uma criança crescia no ambiente desconhecido da partilha, sem saber que da sua vivência se faria sapiência para o resto da matilha. Que maravilha. A inocência de acreditar, faz dos devotos incautos os mais descontraídos do futuro. Sem barulho.

Duas gotas de suor saíram de casa para ir trabalhar. Despediram-se na esquina do ombro e seguiram, cada uma, o seu caminho. A segurança do anoitecer certo, fazia sorrir a separação. Escorreram todo o dia em laboriosa vontade. Sem ansiedade.

Três folhas de um só tronco viviam na harmonia do mesmo sol. Banhavam o seu crescimento, ao esplendor aquecido da seiva irmã que lhes corria nas veias. Se uma murchava, as outras seguiam. O inverso era verdade também. Sem desdém.

Quatro atitudes jantavam na mesma cabeça: a dúvida, a verdade, a confiança e a partilha. Discutiam planos de futuro entre garfadas e gargalhadas. Brindavam inebriadas às memórias do que depois será, sem pensar sequer no que sempre seria. Sem apatia.

Cinco mangueiras regavam o mesmo quintal, numa fúria molhada pelo maior débito. Afogavam-se plantações, invejas, frutos e outras questões. Ninguém desligava torneiras e a inutilidade das acções repetia-se em litros de desperdício. Sem ofício.



Seis ideias de mãos dadas, caminhavam pela avenida das convicções armadas, em direcção ao fosso pequeno. Manifestavam intenções de esperança, em ilusão de adulta criança, e seguravam cartazes de indignação. Sem intenção.

Sete cores misturavam-se em palete de artista, sobre a tela da cidade, bem espalhadas e com vista. Perdiam identidade enquanto se misturavam pigmentos próprios, mas adquiriam luxúria libidinosa perante tal orgia pictórica. Sem retórica.

Oito raios, nenhum que os parta, eram cuspidos em cruzadas descargas por uma nuvem cinzenta de raciocínio. Apontavam intenções eléctricas aos inocentes funâmbulos que por baixo pensavam, em equilíbrio de corda falsa. Sem alça.

Nove, esfora nada, contas de um rosário ateu, rezavam em uníssona descrença para a salvação das suas almas. Acabaram afogadas em comédia, depois de dizimadas as verdadeiras razões da partilha de sua fé. Salvaram-se as desalmadas e as menos crentes Limpinho. Sem dentes.

Dez dedos de duas mãos, escreviam contagens insipientes, sorrindo entre dentes. Ao mesmo tempo, dez dedos de dez pares de pés, tamborilavam o chão frio, num total de cento e dez, esperando pacientemente a contagem que não mais se viu. Sem pariu.

Sobra o que sobrar…


Bilhetado por Brunorix às 16:45

22
Jun 09
Sábado que começou em trabalho, e continuou em trabalho, acabou em teatro. Acabo por nunca perceber a inércia que afasta a maioria de nós desta forma de expressão viva, porque sempre que cedo à inteligência e me deixo assistir, fico encantado com o que vibro. Se em cada três idas ao cinema, fosse uma ao teatro entraria numa sala de espectáculos várias vezes por ano… mea maxima culpa. Mais algum culpado por aí?



O Deus da Matança de Yasmina Reza, em cena no Teatro Aberto, surpreendeu-me pela energia vivida numa sala azul com apenas 1/3 dos espectadores possíveis, o que se notou no arrepio triste do som de poucas palmas (embora reconhecidamente batidas por quem lá estava) no final. Notáveis interpretações (Paulo Pires, Joana Seixas, Sérgio Praia e Sofia de Portugal), muito riso, muita verdade e muito assunto para conversa de jantar.




Por falar em jantar… que extraordinário o restaurante (Pano de Boca) com que nos brinda o cair do pano no Teatro Aberto. Além do ambiente acolhedor e da agradável música ao vivo, podemos deixar-nos levar (eu deixei), por exemplo, por Medalhões de javali com molho de rosmaninho e natas, cogumelos bravos, rösti de batata, couve de bruxelas com bacon e pêra com bagas de murta e depois, porque não, uns Morangos frescos em massa folhada com gelado de baunilha e chantilly. Babam-se-me as teclas só de recordar tudo isto, que se consegue por um preço bastante acessível (com 10% desconto para quem traz o bilhete do espectáculo) e que merecia um muito maior destaque da parte de comunidade gastronómica. Adorei e espero voltar (de preferência em breve).

Sejam amiguinhos dos vossos estômagos, e da vossa cultura, e façam, se não uma, pelo menos as duas coisas. Vão ver como eles agradecem (ambos os dois).
Bilhetado por Brunorix às 18:19

19
Jun 09

A minha editora pessoal, emite agora mesmo a sua quadricentésima publicação. A prateleira enche-se de orgulhos e olho para todas as lombadas com um carinho “pouco” modesto de autor. Não pela qualidade, mas pela dedicação e empenho. Estão aqui muitas horas de pensamento escrito e muitas partilhas. Algumas (poucas) maravilhas e outras tantas curiosidades. Pelo meio algumas verdades. Mais à ponta outros intentos. Alguns desalentos.



Dou dois passos atrás e contemplo o padrão formado por todas elas, como num quadro impressionista. Quer dizer, faz-me impressão. Não imprimo nada, mas publico de espanto o facto de uma experiência de escrita virtual se tornar numa realidade viciante. Já não imagino a minha realidade sem o Bilhete de Ida. Nasceu e veio para ficar. Pelo menos por aqui.

Com a revisão editorial desta publicação, surgem todos os pensamentos e os agradecimentos. Porque se o impulso surge de motivação pessoal e o concretizar segue as normas e as ideias do editor cá da casa, a verdade é que sem retorno não havia continuação. É por isso que a todos agradeço e com todos (continuo) a partilhar estas publicações em forma de Bilhete.


Bilhetado por Brunorix às 13:37

Depois de uma Sinfonia que parece ter deixado em Branco a capacidade opinativa de alguns, pese embora o muito que há para dizer, chegamos a mais um porto de escolha. Voltando ao ritmo normal de escolha-votação-leitura-opinião o cruzeiro do Clube segue para as seguintes escalas:

1 - Coração das Trevas – Joseph Conrad




2 – Jaime Bunda e a morte do americano – Pepetela




3 – 333 – Pedro Sena-Lino



Que siga a viagem da leitura e venham de lá esses votos. Como de costume manifestem-se ali na coluna da direita. É mais fácil, mais simples, mais rápido, e muito mais divertido que votar nas eleições europeias. Por isso, nada de abstenções escandalosas, sim?

Boas escolhas.


P.S. - Obrigado mais uma vez, pela sugestão enviada.

Bilhetado por Brunorix às 11:20

18
Jun 09
Porque nunca é demais divulgar o que é bom, continuo a divulgar o que é muito bom. Dose dupla de Songs Around the World e desta vez com a participação de um tuga lá pelo meio. Para ouvir e chorar por mais.




Bilhetado por Brunorix às 12:43
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16
Jun 09
O exercício do silêncio é tão importante quanto a prática da palavra.

William James



William James
(1842-1910)

Bilhetado por Brunorix às 18:40
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15
Jun 09
Quando os primeiros apareceram, ainda a sua pele estava fria da noite anterior, e começaram logo a desarrumar tudo ao seu redor deixando pegadas parvas na tranquilidade de quem acordava, percebeu que o seu descanso terminara e que depois destes se seguiriam todos os outros. Os olhos descolavam a custo e contra vontade. O sol já espreitava, na sua costumeira e irritante alegria.



O dia prometia a habitual intensidade de trabalho ao calor, a suportar o peso de milhares de pessoas: umas que a pisavam, outras que se deitavam sobre ela, outras que a esburacavam, outras que lhe espetavam chapéus nas costas, outras que a sujavam, outras que jogavam, algumas até roncavam, outras que a construíam, outras que ali estavam e outros ainda que passavam.

Assim foi e assim se cumpriu.

Mais tarde, penosamente mais tarde e com o sol quase escondido, conseguiu dar os primeiros bocejos de algum descanso. Os últimos resistentes arrumavam as toneladas de tralha indispensável para a praia e deixavam impressas as últimas pegadas do dia. Só o mar se sentia e o reino do silêncio começava timidamente a instalar-se.

A noite, que logo se seguiu, era serrada pelo lenhador do tempo e a areia finalmente dormia. Sonhava com um dia chuvoso e sem ninguém na praia. Se ao menos chovesse no dia seguinte…

Dia seguinte: chove desalmadamente. *



* - Qualquer coisa (em litros por metro quadrado) que fica entre a crueldade de não ter alma e a bátega imensa que se abateu hoje. Ao menos há alguém satisfeito!
Bilhetado por Brunorix às 17:47

12
Jun 09
Não estava esquecido. Estava difícil de alcançar o tempo, que se mantinha distante. Deo Gratias que há aviões, comboios e viagens que sendo perto se tornam longas.

Primeiro o atraso na obtenção, segundo a demora na leitura, terceiro a surpresa da obra. Que livro! Duro como todas as realidades, mas bom como todas as boas escritas. Uma pedrada na surpresa lusófona, em tons de samba descoberto.



Padece agora de comentários, pois não se pode deixar passar em Branco a primeira incursão deste Clube em terras de bom bordo. Preparem os estômagos da apatia e agucem a vontade de opinar, pois a calma que se vê neste sorriso vindo do outro lado do Atlântico vem em tons de verdade crua e (bem) escrita.



P.S. - Mais três eleitos irão a votos para a semana. Deixem também as vossas sugestões.
























Bilhetado por Brunorix às 11:26
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