
Wanderlei Sterck vendia água de coco na praia de Copacabana, às meninas de biquíni desaparecido e fio dental, ou seja, a todas. Andava pela areia escaldante a apregoar o olho, enquanto regalava a venda. Quer dizer… isto era o que sonhava quando estava acordado, porque quando estava a dormir sonhava que estava acordado.
Mentira! A verdade é que não conseguia dormir já há muitos anos e estava inchado de medo de nunca mais o conseguir fazer. Também não se chamava Wanderlei, mas sim Wanda Sterck e era travesti nas noites de Lisboa. Talvez por isso não conseguisse dormir, pois tinha que o fazer de dia quando devia estar acordado. O desgosto que causara ao seu pai, serralheiro mecânico de profissão e de atitude, é que o mantinha vivo, e acordado, pois as danças pela noite rendiam bom dinheiro.
Mentira! Chamava-se Winthorp Sterck the III e era filho de um banqueiro inglês podre de rico e de carácter. Sonhava com as praias do Brasil e os biquínis que por lá andavam a dançar em corpos bronzeados. No entanto, tinha que trabalhar 12h por dia fechado no banco do seu pai. Era o preço do seu dinheiro mentiroso.
Mentira! Warajad Sterck Rashid era um realizador indiano de filmes sobre sonhos que nunca contavam a verdade e que estavam sempre acordados. Era viciado no corpo da mulher e muitas vezes vestia-se como uma. Sofria de uma grave crise de identidade, que se revelava muito útil para criar personagens para os seus filmes, mas que nunca o deixava dormir. Esta é a única verdade.
Quase sem dar por isso, o sonho finalmente adormeceu.
Erich Paul Remark
(1898-1970)
Enquanto os dentes muito brancos de uma já rodeavam a sua glande excitada, a outra beijava-o com a dose certa de intensidade. Carinhosamente levou-lhe à boca um lindo seio de um redondo branco perfeito com um excitado mamilo em tom rosa maternal.
Mais abaixo, o outro anjo do prazer sentava-se na sua erecção surpreendida oferecendo-lhe o seu interior húmido e quente. De costas para ele e com as mãos nos seus joelhos, dançava ao ritmo lento da penetração num vaivém de brancas nádegas.
Mais acima, outros lábios vermelhos de ansiedade pousavam na sua boca deixando que a sua língua descobrisse todo o seu sabor interno. De costas viradas, os anjos dançavam. Instintivamente viraram-se uma para a outra e trocaram beijos, carícias, mais beijos, mais carícias e mamilos. Continuavam a dançar.
Como num filme, a câmara suspensa percorre o espaço revelando imagens de um homem deitado com duas mulheres sentadas em cima de si, beijando-se de excitação, e oferecendo os seus respectivos segredos molhados, em movimentos de suave luxúria. À volta uma auréola de luz branca.
A conjugação de movimentos e do ritmado prazer atingia proporções celestiais. Os anjos iam trocando de posição, apenas ele permanecia deitado. Na imensidão do tempo e das trocas, atingem o pleno dos três orgasmos numa sequência angelical de um branco estridente. O abafado prazer sorria de branca ternura.
Os dois anjos retiram-se e fecham a porta. Ele adormece de vez e para sempre.
- Podia jurar que ele estava a sorrir enquanto lhe fazíamos a cama.
- Coitado. Preso dentro de um corpo à espera que tudo se acabe, sem sentir, sem sonhar...
Numa floresta de cimento urbano, mas verde, vivia um Tigre que não era zarolho e um Zarolho que não era tigre. Eram amigos desde a infância e suavizavam o passar dos anos em animadas conversas de índole Marxista/Leninista numa perspectiva de implante político de silicone opressivo e obsessivo.
Juntos se consideravam e olhavam o mundo (um deles assim de esguelha) na ilusão jovem de quem consegue tudo e não tem muito com que se preocupar. Até que um dia, já depois de ter saído de casa dos pais, o Tigre foi despedido da fábrica de automóveis onde trabalhava ia já para uma mão cheia de anos, mas vazia de indemnização.
Caído nas malhas do subsídio de desemprego começou a perder o lustre nas riscas e a pose felina, enquanto se arrastava de formação em formação pelos centros de emprego à espera de uma proposta milagrosa. Enquanto isso, o Zarolho ia subindo degraus na sua gorda carreira de sócio/gerente de uma fábrica de óculos escuros, que aliás usava sempre - dia e noite.
Errado dia, cruzam-se no corredor da casa que partilhavam, e momentos antes de o Zarolho falhar a porta da casa de banho e dar uma marrada na ombreira, o Tigre cai de fome aos seus pés. Surpreendido, o Zarolho fecha um dos olhos e repara pela primeira vez como ele estava pálido e magro. Umas malgas de água com açúcar depois, o Zarolho deixa cair o queixo (que o Tigre comeu logo tal era a fome) ao inteirar-se de que o seu amigo de vida, e de casa, estava no desemprego, sem dinheiro e com fome, quase há 1 ano.
Sentido vergonha na já rubicunda face, acalmou o Tigre dizendo-lhe que não se preocupasse porque tinha muito dinheiro no BPN e ia ajudá-lo. Aliás, estava com ideia de investir num negócio de um Freeport e ia nomeá-lo gestor do projecto.
Alguns dinheiros depois o Tigre perdeu a palidez e a fome e ganhou prosperidade financeira, ao mesmo tempo que abraçou a carreira política. Fundou o PND (Partido do Novo Dadaísmo), uma nova força de extrema esquerda e direita com assento no meio. Perdeu as riscas de vez e ganhou pêlo na venta, sendo por isso, agora, um Leão.
Entretanto naquela floresta, rebentam alguns escândalos que afundaram o Zarolho (qualquer coisa a ver com o banco parece), mas mantiveram o Tigre, isto é Leão, bem à superfície da conjuntura político-social. O Zarolho tentou fugir para o Brasil, mas esqueceu-se de fechar um olho e comprou um bilhete para Braga. Acabou por se envolver numa empresa de parques, mas deu rolho também.
Moral da história: Em terra de zarolhos, quem foge às riscas é o rei!