Escritas do fundo do mar

16
Dez 08
Percebendo o recado que o destino lhe mandava, levou aquele corpo e o dono que o habitava para o seu quarto. Mesmo frio e cinzento era melhor que aquela rua de Inverno solitário. Ofereceu banho e roupa lavada a um incrédulo ser de novo humano. Conversaram toda a noite, partilhando um pão e um prato de sopa.

Descobriram-se amigos de conversar e pintaram de várias cores os cinzentos de cada um. Juntando as memórias boas individuais, conseguiram fazer um conjunto de doces recordações que comeram em fatias iguais. Sentiam-se cheios da sobremesa e adormeceram no cansaço da partilha. O quarto estava quente pela primeira vez.

Decidiram formar uma empresa de capital vontade e começaram a vender determinação juntos. Escreveram crónicas de descoberta, contos de futuro e romances de certeza. Todos os dias voltavam ao quarto com mais matéria-prima para escrever. Escreveram e venderam, escreveram e venderam… escreveram e venderam.

As paredes do quarto começaram a afastar, o soalho já só rangia de contentamento, o cinzento iluminou-se, o calor entrou e as meias coseram-se. Agora que tinham mais divisões, começaram a escrever separados. O capital aumentou e as vendas também. Formaram uma editora…




Acordou enregelado esticando o fino cobertor que já não se via de tanto esticar. Sentou-se na cama de molas ainda tristes e olhou a meia ainda rota. Voltara sem nunca ter saído.


(continua)

Bilhetado por Brunorix às 19:50

CORES DE UM CINZENTO SÓ

Era um quarto que se devorava em três passos. Cinzento de vontade e bafiento de desanimo. Estava frio e o chão rangia a castanho esquecido. O atraso na renda desse mês estava mais perto que a maneira de a conseguir pagar.

Sentou-se na cama de molas tristes, que lhe arranhavam a dignidade, e pensou na saudade. Sobretudo, na saudade que tinha de não ter saudade, pois essa era sempre a primeira carta que caía no seu castelo de sonho instável.




Olhou para a meia rota de desleixo e chorou. Chorou pela vontade.

Sentiu toda a solidão do mundo no seu quarto e olhou a paisagem da sua janela. Era de dia e estava sol, mas os seus olhos só viam escuridão. As paredes aproximavam-se no adensar do desalento e percebeu que tinha que sair. Algumas roupas gastas mais tarde, cheirava a cidade no seu interior e caminhava na razão do pensamento.

Calcorreou colinas de infância e aproximou o Tejo ao olhar. A cidade corria ao ritmo das castanhas e o frio encolhia vaidades. Observou todos e cada um, e pensou com inveja onde iriam com tanta certeza, com tanta vontade de lá chegar.

No canto mais frio do Paço, um monte de cartão escondia um corpo. Dormia de sujidade, frio e esquecimento. Aproximou-se e tocou no que parecia ser um ombro debaixo de roupa velha. Reagindo ao toque, o corpo virou-se e fixou o seu horror de espanto: era a sua cara que ali estava, debaixo de muito cabelo e barba!

(continua)

* Estado de vazio. Oco.


E lá foram. A mãe chegou do outro lado do mundo e levou-as para a casa onde pertencem, para o seu refúgio de vida. Agradeceram na saída o que receberam desde a entrada. Parece que gostaram.




Deixaram uma porta aberta na saudade, mas o tempo fecha todas as portas e abre outras tantas. O silêncio voltou ao vazio e não restam mais recordações que os despojos da festa. Gostámos de as ter por cá e podem voltar quando quiserem, esta é uma das portas que está sempre aberta!
Bilhetado por Brunorix às 13:22

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