Escritas do fundo do mar

22
Out 08
- Três canetas, duas das quais estragadas
- Uma usada edição de poemas de Fernando Pessoa
- Uma velha fotografia de um homem em uniforme

Resultado:

Experimentei uma, depois outra e só a terceira escrevia. Sempre gostei de escrever a preto. Por isso, com a minha sorte habitual só a azul o fazia. Eram bics laranja de ponta fina, que contrastavam com a mais comum bic cristal de escrita normal! Sorri a lembrar-me do anúncio…

Apesar de não ter tampa, a bic laranja de escrita fina – azul -, continuava a fazer as minhas delícias quando deslizava sobre um qualquer papel imaculado.

Larguei os gatafunhos experimentais e peguei numa edição usada de poemas de Fernando Pessoa. De tão lido que foi, era quase impossível mantê-lo fechado. Algumas páginas tinham o canto dobrado. Desrespeito pelo autor, pensei. Por muito que se goste de um poema.

“Raia-lhe a farda o sangue…” as palavras surgiram na minha cabeça, quando vi entre duas páginas uma foto de um imponente militar. Uma casaca de fazenda cheia de bordados dourados mostrava uns ombros geometricamente direitos, num orgulho altivo. O monóculo no olho direito indicava pose de chefia poética. As muitas manchas da velha fotografia, não deixavam transparecer na totalidade a idade do fotografado, mas os galões indicavam uma idade condigna com a patente.

Voltei a colocar a foto dentro do livro e continuei a caminhada naquele labirinto de vida, remexendo gavetas de passado e perscrutando paredes de história. No entanto, conforme mudava de sala, constatava atónito que estavam todas vazias. Como seria possível sentir toda aquela carga de memória apenas com 3 canetas, um livro de poemas e uma foto?!

O pé-direito alto das divisões, o papel de parede antigo e o cheiro a século XIX, intrigavam-me do pensamento a conclusão. Sentia cultura à minha volta e amor pelas palavras. Ali tinha vivido de certeza um escritor! Preferia o preto para escrever, lia Fernando Pessoa… Um impulso literário continuava a empurrar-me na direcção dessa conclusão. Encostei o ouvido a uma parede e ouvi grandes nomes a recitar as suas obras. Estou numa casa de cultura, pensei.



Embora não perceba bem porquê, sinto que invejo quem ali habitou. Uma sintonia entre os meus gostos e vontades parecia enquadrar-se naquele ambiente. Sento-me no chão e tento, da já imparável curiosidade, tentar descortinar mais sobre o quem e o como, na expectativa de absorver inspiração.

Continuo a deixar transpirar nas minhas mãos a sensibilidade daqueles objectos. O uso intensivo da escrita ou do desenho, a cultura implícita e adorada naquele livro, a forte ligação à família na pele de uma velha foto com uma dedicatória a um filho comovido de a receber, a conjugação de todos e a sua importância isolada, faziam daquela feliz reunião a certeza de alguém muito especial. Pesei actos consumados e cheirei constatações. Deixei que falassem comigo, da mesma maneira que falaram com o seu antigo dono.

Levantei-me. Deixei aquela casa para nunca lá mais voltar, satisfeito com a vida que descobrira e que sentia agora ser minha também!
Bilhetado por Brunorix às 13:21

05 da manhã uma tosse, sem brilho no olhar
06 da manhã mais tosse e agonia
Às duas por três quem sabe onde isto irá parar
Eu é que já tusso tanto e até dormia

05 da manhã ei, bem bom
Tosse e amanhã ei, bem bom
06 da manhã ei, bem bom
05 da manhã ei, bem bom
06 da manhã pra dois, bem bom
Tossir e o que virá depois?
Bisolvon, ei!


Tudo verdade... até o facto de estar acordado a esta hora e com esta música na cabeça! Terá sido numa noite destas que surgiu a inspiração ao António Pinho, ao Pedro Brito e ao Tozé Brito? É que este nível de criação não se atinge a qualquer hora!

E agora?! O que fazer com esta pérola do nacional cançonetismo? A quem vamos dar isto para cantar?... hum... deixa cá ver... hum... olha, pode ser a estas meninas:





P.S. – Já que não durmo, divirto-me. Ou então, estou a ficar xarope!
Bilhetado por Brunorix às 05:59

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