Mas uma coisa é saber que está lá, outra coisa é chocar com essa realidade amiúde e em espaços de tempo muito próximos. Desta vez dei com a morte ainda viva. Um Mestre de vida, cuja obra estou a perpetuar numa tese que emergiu agora de novo das catacumbas da lassidão, tem a morte no olhar e no corpo.
Estive uns meses sem o ver e ontem por causa do trabalho, visitei-o. Sabia que estava doente, mas não sabia que estava morto, embora ainda vivo. Nunca tinha tido nenhum contacto com esta realidade, desta maneira e fiquei profundamente chocado. Ele que sempre teve uma postura bem engraçada perante este caminhar da vida e que se dizia há muito tempo na nona idade a acenar para todos nós…
Não o reconheci. Não lhe vi o olhar de sempre. Quase não o ouvi e partilhei por momentos a angústia do que é estar sentado, simplesmente à espera que tudo se desligue. Se o visse noutro contexto, nem saberia dizer que era ele. Curiosamente, só as mãos, que toda a vida usou na sua obra, estão iguais. Tudo o resto são sombras de um homem que já não está ali. Senti uma profunda incapacidade sobre o destino e uma forte mágoa pela realidade que nos ultrapassa com a frieza calculista de que não há nada a fazer.
Agora, mais do que nunca, sinto que tenho que fazer a homenagem devida, a uma vida que merece ser eternizada. Gostava que ele tivesse tido tempo de a consciencializar e só peço que ele me perdoe por não o ter feito antes. No entanto, o sentimento de honra é o mesmo.
Atirei uma vontade só de ida
Para quem a quisesse apanhar.
Gritei nos altos da vida,
Que a memória veio pra ficar,
Na certeza de que cada instante,
Permanecerá para sempre brilhante!
Hoje ao homem, deixo a ideia,
Amanhã ao amigo, deixo o meu intento.
Professor: esta homenagem, deixei-a
A boiar nas águas do seu contentamento.
Mesmo sabendo como ambos sabemos,
Que nem tudo será como ambos queremos!
(foram estas as palavras com que fechei o trabalho que agora retomo)