Escritas do fundo do mar

17
Nov 09

O tempo e a saudade, e alguma preguiça também na verdade, encaminharam-me para o meu café de bairro favorito. O café, não o bairro. Esperançado por mais uma “crónica” passei a porta do paraíso da sandes de queijo e galão, com a expectativa da saudade.

Aproximei a fome e a ansiedade do balcão e pedi o habitual. Ao meu lado, um pequeno ser (homem) de tez muita pálida, assim quase albino, mordia com avidez um pastel de nata semi-escondido por um farfalhudo bigode louro e branco. O pastel, não o ser. O barrete capilar também rondava os tons, embora mais branco que amarelo. A pele ostentava ainda, sardas e outras manchas. A Rosa (que continua Sandra e cada vez mais latina) e os demais, dirigiam-se-lhe por qualquer palavra acabada em “ívias”, que eu não percebia.

Agucei a minha curiosidade crónica e regulei a audição para ao máximo. Ao quarto interpelar da Rosa finalmente percebi: Lixívias! Aquele ser de metro e meio e sem cor tem a simpática e carismática alcunha de Lixívias. Coisa que ele parece encaixar com todo o desportivismo da aceitação.

Ainda engolia o riso da descoberta, quando uma dona Fátima também de metro e meio (mas de largo) me esparramou contra o balcão, enquanto pedia um cafezinho. Dizia a Rosa:

- D. Fátima, e para comer?
- Oh filha… nada que gorda já eu estou!

(30 segundos de pausa)
- Tens Bom Bocado?
- Tenho.
- Olha que se lixe, dá cá um!




(15 segundos e duas dentadas depois)
- Hum… é bom! Oh Rosa, tens corassans?
- Tenho, com creme.
- Olha filha, guarda-me 4 que venho buscar na hora de almoço.

Entre albinismos e muitas calorias, todos devidamente aceites, o meu Café continua na mesma partilha. São estas referências que dão segurança nas escolhas. Até porque um cliente satisfeito (nem que seja pelo riso) é um cliente que volta!



Bilhetado por Brunorix às 14:22
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11
Dez 08

O esticanço de Natal lá me permitiu mais uma dentada em sandes de fora, e de novo entrei no reino mágico do meu café de bairro partilhado.

Já sorria de ansiedade perante algum capítulo mais para esta saga, quando começo a esmorecer a minha esperança de acção a cada dentada que dentava e a cada gole que goleava (não marquei nenhum golo, mas bebi um galão inteiro!). Será que não ia ter nada para contar?!

Os Rosos ainda se esforçaram a falar sobre a PlayStation 3 nova que a Rosa mandou vir para o Natal (para ela, note-se!), que o primo do não sei quantos, que mora na rua por baixo da outra, saca não sei de onde, com uma legitimidade que sabe-se lá e que ainda vem com 3 jogos: o PES 9 (o preferido da Rosa), um que não se sabe o nome e ainda aquele que é só porrada (sic, mais uma vez!)! Mas, dizia eu, nem esta partilha de jogos me animava e estava a ficar desiludido com o meu café.

Mas a goles tantos, surgiu a salvação da manhã! Os meus olhos ávidos de animação, perscrutavam tudo na esperança de compensar o nada que chegava aos ouvidos, e ali estava ele! Numa parede, um magnífico diploma (devidamente emoldurado) diplomava que o Roso tinha frequentado uma formação qualquer.

Bem, pensei de mim para comigo, já se percebe que as proeminências da Lena de Leste tenham ido passear, pois afinal estamos perante um funcionário devidamente diplomado! Terá ele um curso de hotelaria?! Alvitrei em pensamentos. Olhei com atenção redobrada, e até me aproximei mais da parede (eles não repararam, porque o Roso estava a explicar à Rosa a sequência para marcar cantos no PES) e maravilhei-me com a diplomaria diplomada:

Fulano de tal (também conhecido por Roso) frequentou a acção de formação de 2h, em higiene e segurança alimentar!




Toma lá! Duas horas de formação orgulhosamente escarrapachadas na parede! Brincamos ou quê?! Ah, pois é! Mas o que julgam deste café? Orgulhoso e mais descansado por não ter sido defraudado, estendi uma nota de 10€ para pagar e recebi um:

- Oh vizinho! Não tenho trocos, paga amanhã!

E pronto! Saí contente, sem pagar e a pensar que no meu café pode faltar pão, bolos, leite, até trocos, mas já mais faltarão episódios para contar!

Bilhetado por Brunorix às 13:24
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28
Nov 08
Os maus ventos no canal financeiro afastam-me decididamente do meu café preferido. No entanto, uma ajuda de Natal lá permitiu mais uma magnífica incursão neste mundo partilhado.

Com os episódios que perdi pelo meio, não dei pela mudança de actores. Constatei, por isso, que as voluptuosidades salientes da Lena de Leste desapareceram (e a Lena também), o que origina nesta sequela a que a Rosa se faça acompanhar agora por um Roso Latino (que não sei o nome, mas como a Rosa também é Sandra não faz mal ao relato).

Discutiam estas duas almas da sapiência conjugal, questões sobre o amor numa partilha, como de costume, bem audível. Algumas pérolas apanhadas neste mar de preciosidades, seriam tão boas como: é preciso é que haja amor! Amor ao carro, à casa… (dizia ele). O problema é quando elas ganham mais e depois se fazem à vida e cagam (sic) neles! (rematava ela).

A meio desta erudição, entram dois indivíduos, tipo gajos, com umas vestimentas muito fluorescentes, tipo colete do carro mas de corpo inteiro, e aproximam-se do balcão pedindo num esfregar de mãos aquecedor, típico do frio das 9h da manhã que eram:

- Vai uma cervejinha?
- Tás maluco, a esta hora?! Quero um café com cheirinho…

Dirigi o meu olhar de espectador para o meu galão de menino (as coisas que eu bebo pela manhã!) e pensei em arrotar para dar um ar de macho mais ambientado, mas não consegui e continuei a mastigar a minha sandes de queijo (de boca fechada, o que também destoava!), também de menino, porque entretanto, já um deles pedira uma sandes de torresmo, mas como não havia, comeu um pastelinho de bacalhau!

São estes episódios que se perdem, por não comer fora mais vezes. Efeitos da crise…


Bilhetado por Brunorix às 11:27
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30
Abr 08
Para além do habitual pastilhar da Rosa (Sandra) e da Lena de leste, da família de ciganos com as respectivas chapadas e bocas abertas e da muda que não se cala, hoje a Rosa tinha mais uma surpresa…

Do alto, por ser na Alta acho eu, de todo o seu esplendor fashion, a Rosa ostentava uma bela camisa de riscas apertada apenas em 3 botões situados numa zona que eu calculo ser, pela geografia feminina, a do peito, embora não desse para perceber muito bem dada a sua plenitude plana (uma partilhazinha com a Lena e ficavam as duas bem).

Mas afinal, onde está a surpresa?! Ora bem, precisamente na sequência dos 3 botões apertados, vinham todos os outros imediatamente após, por apertar! O que revelava, para quem quisesse claro (só olha quem quer), uma bela zona de cintura com algumas particularidades muito interessantes: a começar pela respectiva dobra sobre o cós das calças aí com uma espessura de 3cm (sem exagero se não, não era surpresa!), aquele picotado conhecido por casca de laranja, mas que a mim me parecia mais tipo cortiça mesmo quando se descasca a árvore e por fim, last but not least um umbigo enorme, acho que deve ser por causa de umbigos destes que a Ilha da Páscoa se chama Te pito o te henúa (umbigo do mundo) na língua local, estou convencido que é ali que ela guarda as pastilhas!




Os meus olhos observantes de espanto, não paravam de seguir o saltitar desta maravilha, pois a Rosa não pára quieta, só alternando de quando em vez a direcção para um grupo de 4 polícias que tomavam café ruidosamente, e que me chamaram a atenção pois dos 4 um era uma (acho eu!) porque tinha unhas pretas de 3cm (curiosamente a medida da dobra da barriga da Rosa, mas aqui já com exagero de autor!), embora tivesse mãos de homem, cabelo comprido e solto, embora tivesse cara de homem, calças da farda enfiadas num rabo de mulher, embora no topo de umas pernas de homem… enfim, uma amálgama de contradições de género que me deixavam indeciso entre barriga, mulher-homem polícia, barriga, muda, barriga, putos a berrar e chapadas, barriga… quer dizer, partilhas!



Nota do autor observador: esta barriga não é a da Rosa, mas o efeito era igual!
Bilhetado por Brunorix às 12:30
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28
Mar 08
As vicissitudes da vida fazem-me entrar de quando em vez num café da Alta. Da alta chunga, diga-se. O caricato do ambiente traduz-se nos pormenores frequentadores e envolventes. A começar pelo nome, Rosa Latina. A Rosa (que por acaso é Sandra) deve ter ido buscar a ideia ao facto de parecer um verdadeiro macho latino, o que em versão feminina deve dar Rosa.

Não contente com a sua feminilidade máscula, a Rosa, aliás Sandra, insiste em partilhar connosco uma pastilha elástica que a cada mastigadela nos brinda com a aparição da sua língua a envolver avidamente e freneticamente aquela pastilha, qual peça de roupa no tambor da máquina. Voltas e mais voltas e em cada uma, a aparição linguística num constante vai e vem. Da equipa, faz parte a Lena de leste que absorveu em pleno o ambiente chunguítico que a rodeia (o pessoal de leste tem esta capacidade de se adaptar facilmente a tudo) e que também já treina partilha de pastilhas com os clientes.



Das 6 vezes que lá entrei, de manhã, vi sempre as mesmas pessoas, o que me faz pensar que são frequentadores habituais. Uma família de ciganos, cujos 3 rebentos comem logo pela manhã, em efusivo barulho, bolos com chocolate e Coca-Cola, enquanto o patriarca mama a sua bojeca e a sandocha de presunto, misturando mastigadelas de boca aberta com algumas chapadas nos putos. A loura platinada de 60 anos, que é muda, mas emite alguns grunhidos comunicativos e que insiste, mesmo assim, em falar com todas as pessoas que entram. E finalmente, a piéce de résistance, a senhora com 2 por 2 (metros!) que ocupa de facto duas cadeirinhas quando se senta ao balcão, uma para cada bochecha presumo, e que ostenta o seu esbelto cabelo oleoso e a sua luzidia caspa, tipo neve, nos seus ombrinhos, que medem (cada um!) mais coisa menos coisa a largura das minhas costas, e que pede delicadamente em volumosos decibéis:

- Oh Sandra! Quero uma torrada cheia de manteiga e uma meia de leite! Ó des pois tiras um café!

Ao que a Sandra, Rosa, aquiesce subservientemente (não vejo acontecer isso com mais ninguém) enquanto espirra furiosamente para cima dos bolos. Monco puxado, braço passado transversalmente para limpar o pingo que já aparecia e de volta à mastigação partilhada, remata:

- Que alergia que tenho logo hoje que faço anos!

Perante tal espectáculo, e com o inevitável e incontrolável esbugalhar dos meus olhos, refugio a minha estupefacção na sandes de queijo e no fundo do meu galão, enquanto a Rosa, Sandra, aproveita para cravar, no verdadeiro sentido da palavra porque ela insistia que tinha que ser uma oferta, ao Sr. Hélder (o fornecedor das bebidas que chegara no entretanto) duas garrafinhas de champanhe pela efeméride comemorativa do dia, e vou pensando que até é divertida a vida do meu bairro com todas estas partilhas!



P.s. - E hoje de manhã ainda vi o meu "amigo" GNR, no sítio do costume. Até disse adeus, mas esqueci-me que ia de mota...

Bilhetado por Brunorix às 12:15

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